Provavelmente você já se deparou com o termo "stablecoin" enquanto pesquisava ativos digitais. Talvez você também tenha ouvido falar das stablecoins classificadas como "lastreadas em moeda fiduciária", "lastreadas em criptomoedas", "lastreadas em commodities" ou "algorítmicas". A terminologia das stablecoins talvez soe complexa, mas na verdade é bastante simples quando você elimina os termos técnicos. Estamos aqui para ajudar a detalhar e explicar como as stablecoins funcionam — em especial dois de seus tipos mais divulgados: stablecoins lastreadas em moeda fiduciária e stablecoins algorítmicas.
De modo geral, stablecoins são criptoativos desenvolvidos para manter um valor estável ao atrelar seu valor a outro ativo, os mais comuns sendo moedas fiduciárias — como, por exemplo, o dólar americano, o euro ou o iene japonês —, commodities — como, por exemplo, petróleo ou metais preciosos — ou outros criptoativos. O USDC, por exemplo, é uma stablecoin lastreada em moeda fiduciária1 atrelada ao dólar americano e desenvolvida para se movimentar de forma integrada entre as blockchains globais, o que o torna útil para transferências, pagamentos, poupança e trading.
Neste artigo, vamos comparar as stablecoins lastreadas em moeda fiduciária às stablecoins algorítmicas.
Stablecoins lastreadas em moedas fiduciárias x stablecoins algorítmicas: estratégias diferentes para manter a estabilidade de preços
Esta seção vai detalhar as diferenças de projeto entre as stablecoins lastreadas em moeda fiduciária e as stablecoins algorítmicas. Tenha em mente que uma stablecoin bem projetada deve manter um preço estável com relação à moeda fiduciária que representa. Tanto as stablecoins algorítmicas quanto as lastreadas em moeda fiduciária visam exatamente isso, mas atingem seu objetivo de maneiras diferentes.
Se estiver pensando em usar stablecoins, é importante que você entenda as diferentes estratégias utilizadas para manter uma ancoragem de preço resiliente, e não se trata apenas de um exercício intelectual para os aventureiros do universo de criptomoedas.
Confira abaixo uma visão geral de alto nível das diferenças de projeto entre as stablecoins lastreadas em moeda fiduciária e as stablecoins algorítmicas:
Stablecoins lastreadas em moeda fiduciária: respaldadas por garantias
Para cada stablecoin garantida por moeda fiduciária em circulação, deve existir um valor equivalente em dinheiro real facilmente acessível. Para cada stablecoin atrelada ao dólar americano, por exemplo, deve existir um dólar correspondente (ou um ativo equivalente ao dólar, como títulos do Tesouro dos EUA) mantido em reserva. Na prática, porém, nem todas as stablecoins lastreadas em moeda fiduciária adotam os mesmos níveis de rigor com relação ao gerenciamento de reservas e podem não ser totalmente respaldadas por ativos mantidos em reserva. Como você pode imaginar, para que o preço das stablecoins seja mantido estável é absolutamente crucial que as stablecoins lastreadas em moeda fiduciária sejam totalmente respaldadas.
O que significa uma stablecoin ser totalmente respaldada?
Vamos analisar o significado de "totalmente respaldada" usando o USDC como exemplo. Digamos que a capitalização de mercado do USDC seja de US$ 60 bilhões. Nesse caso, a Circle precisaria ter uma reserva de US$ 60 bilhões em dinheiro ou ativos equivalentes a dinheiro para que o USDC fosse considerado totalmente respaldado. Na realidade, a Circle mantém reservas em dinheiro e ativos equivalentes a dinheiro altamente líquidos cujo valor é igual ou superior à quantia de USDC em circulação (os detalhes podem ser encontrados em nosso atestado de reservas mais recente). Isso significa que o valor das reservas é superior à quantia de USDC em circulação.
Digamos que, hipoteticamente, a stablecoin XYZ tenha uma capitalização de mercado de US$ 50 milhões e uma garantia de somente US$ 40 milhões respaldando sua stablecoin. Nesse caso, a XYZ não estaria totalmente respaldada, já que o valor da garantia mantida em reserva não é equivalente à quantia em circulação. Nessa situação, somente US$ 40 milhões em XYZ poderiam ser resgatados por dólares americanos, deixando uma quantia restante não resgatável de US$ 10 milhões em XYZ. Esse seria um exemplo de uma stablecoin com garantia insuficiente, representando um risco de gerar pânico no mercado em caso de uma corrida por resgates.
Esse exemplo ilustra por que é importante usar stablecoins totalmente garantidas e lastreadas em moeda fiduciária que publiquem auditorias de terceiros com transparência. A Circle publica atestados mensais do USDC e do EURC — sua stablecoin atrelada ao euro — emitidos por uma das quatro maiores empresas de contabilidade dos EUA (Big Four) para fornecer uma transparência acessível por qualquer pessoa.
Prós das stablecoins lastreadas em moeda fiduciária
Vamos explorar os prós e contras das stablecoins, começando pelos modelos lastreados em moeda fiduciária. O que respalda uma stablecoin lastreada em moeda fiduciária e por que isso é importante? Devido ao fato de ser respaldada por dinheiro real, seu valor tende a se manter próximo ao da moeda fiduciária à qual está atrelada — na maioria dos casos, US$ 1. Dito isso, as stablecoins lastreadas em moeda fiduciária podem flutuar levemente — como, por exemplo, US$ 0,9998 – US$ 1,0002 — com base nas condições do mercado.
As stablecoins lastreadas em moeda fiduciária são projetadas para funcionar como dinheiro comum, o que facilita a compreensão, a auditoria e a regulamentação. Como tal, as stablecoins lastreadas em moeda fiduciária vêm ganhando reconhecimento no âmbito dos regimes regulatórios, o que pode ser observado nos exemplos a seguir:
- Nos EUA, um projeto de lei como o GENIUS Act de 2025 visa inserir os emissores de stablecoin em uma estrutura de licenciamento clara em nível federal, enfatizando a supervisão por órgãos reguladores prudenciais e restringindo o uso de stablecoins algorítmicas para fins de pagamentos.
- O arcabouço regulatório de stablecoins no Reino Unido avançou recentemente por meio da Lei de Serviços e Mercados Financeiros de 2023, complementada em 2025 por propostas conjuntas da Autoridade de Conduta Financeira (FCA) e do Banco da Inglaterra. Esse arcabouço atualizado se concentra na autorização obrigatória da FCA, no aumento dos requisitos de transparência para os emissores, em uma proteção ao consumidor resiliente e no gerenciamento de riscos sistêmicos.
- O Regulamento sobre o Mercado de Criptoativos (MiCA) da União Europeia introduziu uma estrutura abrangente para as stablecoins, impondo requisitos rigorosos aos tokens referenciados em moeda fiduciária e em ativos. As stablecoins algorítmicas, que não têm lastro em ativos, provavelmente não conseguirão cumprir esses padrões regulatórios no âmbito da MiCA.
Contras das stablecoins lastreadas em moeda fiduciária
A principal preocupação com relação às stablecoins respaldadas em moeda fiduciária é que você precisa confiar que a empresa que as emite irá gerenciar as reservas com honestidade e segurança, e é por essa razão que a transparência do emissor e os relatórios publicamente disponíveis emitidos por auditorias independentes são tão importantes.
Stablecoins algorítmicas: alta tecnologia, sem garantias
Vamos analisar mais detalhadamente como as stablecoins algorítmicas funcionam e por que, em sua maioria, têm enfrentado dificuldades para manter seu lastro em larga escala. As stablecoins algorítmicas costumam descartar o conceito de respaldo em reservas e deixar que o código se encarregue de estabelecer o equilíbrio. As stablecoins algorítmicas mantêm seu valor (ou tentam fazê-lo) sem manter garantias em moeda fiduciária ou de qualquer outro tipo. Em vez disso, usam contratos inteligentes, incentivos e dinâmicas de oferta e demanda para alcançar a paridade de preço pretendida. Na prática, essa abordagem não conseguiu sequer se aproximar do nível de confiabilidade de uma abordagem totalmente respaldada.
Diferentes tipos de stablecoins algorítmicas
Existem algumas abordagens distintas de stablecoins algorítmicas: algumas dessas stablecoins algorítmicas não oferecem respaldo algum; outras usam uma mistura de lastro e algoritmos.
As stablecoins algorítmicas com "rebalanceamento" (como o AMPL da Ampleforth) ajustam sua oferta automaticamente. Se o preço subir acima de US$ 1, mais moedas são criadas para reduzir o preço novamente. Se o preço cair abaixo de US$ 1, o sistema reduz a oferta para elevar o preço novamente. Esse sistema afeta diretamente o número de tokens AMPL que um usuário possui: a quantidade de AMPL em suas carteiras pode flutuar, mas a intenção é que o valor permaneça estável.
Outras stablecoins algorítmicas usam um "modelo de senhoriagem” que depende do uso de outros tokens — além da stablecoin propriamente dita — para manter seu valor estável por meio de mecanismos de cunhagem e queima, mecanismos do tipo "faça stake e ganhe" ou outros métodos. Esses sistemas multitoken são projetados para criar um mecanismo que aumente/reduza a oferta/demanda de uma stablecoin algorítmica.
Vejamos, por exemplo, a stablecoin algorítmica Terra USD (UST). O UST funcionava como parte de um sistema de dois tokens, tendo o LUNA como sua contraparte. Nessa configuração, o UST foi desenvolvido para ser a stablecoin e o LUNA para ter um valor variável. Conforme descrito acima, a intenção do LUNA era minimizar ou absorver a volatilidade de preço do UST, o que, em última instância, não funcionou. Consequentemente, a capitalização de mercado do UST caiu rapidamente de US$ 18 bilhões para menos de US$ 1 bilhão.
Contras das stablecoins algorítmicas
O exemplo do UST enfatiza um dos maiores riscos das stablecoins atualmente: se falhar, um modelo algorítmico poderá resultar em uma perda de valor rápida e irreversível. Embora existam análises detalhadas explicando o que ocorreu com o UST, a verdade é que seu mecanismo falhou, resultando em uma rápida perda de valor e em uma perda de confiança duradoura. No momento em que este artigo foi escrito, o UST estava sendo negociado por cerca de US$ 0,01 em vez de US$ 1. Seu colapso resultou em perdas financeiras significativas para os usuários de todo o ecossistema de blockchains.
Antes desse colapso do preço, que teve início em 9 de maio de 2022, a capitalização de mercado do UST era de mais de US$ 18 bilhões. Desde então, o mercado de ativos digitais como um todo passou a evitar as stablecoins algorítmicas devido a preocupações relativas à sua capacidade de manter um valor estável em larga escala.
Essa é, de longe, a maior preocupação quando se trata de stablecoins algorítmicas: quando não conseguem cumprir sua função principal — ou seja, a estabilidade de preço — deixam de atender às necessidades dos usuários. Dito isso, algumas equipes continuam fazendo experiências com as stablecoins algorítmicas na esperança de desvendar o mistério de como criar uma stablecoin descentralizada livre de garantias.
Prós das stablecoins algorítmicas
A única provável vantagem das stablecoins algorítmicas é sua natureza descentralizada. Enquanto as stablecoins lastreadas em moeda fiduciária dependem de um emissor central, as stablecoins algorítmicas operam com base em protocolos e contratos inteligentes, reduzindo a necessidade de confiança em uma entidade central. Por um lado, isso as torna mais resistentes à censura, já que não existe uma única entidade que os reguladores possam visar ou desativar com facilidade. Por outro, sem uma autoridade central que supervisione o sistema as stablecoins algorítmicas podem se tornar cada vez mais vulneráveis a erros nos contratos inteligentes e expostas a invasões e problemas semelhantes.
Ao alavancar modelos econômicos, teoria de jogos e códigos automatizados inovadores, esses sistemas visam criar valores estáveis sem o respaldo das finanças tradicionais (TradFi) e, ao mesmo tempo, tentam expandir as possibilidades das finanças descentralizadas (DeFi).
Por meio da experimentação com algoritmos de fornecimento elásticos, as stablecoins algorítmicas representam uma abordagem criativa, embora experimental, de um valor estável on-chain. Porém, se a história nos ensina alguma coisa, é certo que as stablecoins algorítmicas ainda têm um caminho a percorrer para encontrar a fórmula ideal.
Stablecoins lastreadas em moeda fiduciária x stablecoins algorítmicas: uma análise de risco
Recapitulando rapidamente, estamos analisando stablecoins lastreadas em moeda fiduciária e stablecoins algorítmicas.
As stablecoins algorítmicas são atreladas ao dólar americano ou alguma outra moeda fiduciária, mas não costumam ser respaldadas por dinheiro em espécie. O algoritmo faz todo o trabalho, ou pelo menos é projetado para fazê-lo. Se o seu negócio for a descentralização e a inovação mas avançada que existe, além de entender os graves riscos que isso acarreta, as stablecoins algorítmicas poderão provocar seu interesse.
As stablecoins lastreadas em moeda fiduciária, como o próprio nome diz, são atreladas e garantidas por moedas fiduciárias (incluindo ativos equivalentes a dinheiro). Essas stablecoins oferecem estabilidade por meio de suas reservas e oferecem um histórico muito mais sólido nesse sentido, embora você precise confiar na empresa que gerencia essas reservas. Para quem busca uma estabilidade comprovada, as stablecoins lastreadas em moeda fiduciária oferecem uma abordagem muito mais segura, sendo que o USDC criou sua própria categoria por ser totalmente respaldado por atestados de reservas transparentes e adotar uma abordagem que prioriza a regulamentação.
A verdade é que todos os modelos de stablecoin requerem que você confie em alguém ou em alguma coisa, ou alguma entidade. Com as stablecoins lastreadas em moedas fiduciárias, o objeto de sua confiança é o emissor da stablecoin. No caso específico do USDC, o emissor é a Circle, e a confiança gira em torno da maneira como a empresa funciona — incluindo os atestados mensais do valor das reservas do USDC emitidos por terceiros e sua abordagem de priorizar a regulamentação. Com as stablecoins algorítmicas, você precisa confiar nos contratos inteligentes, nos desenvolvedores e no algoritmo que estiver ajustando a oferta e a demanda ao se esforçar por manter uma ancoragem rigorosa em moeda fiduciária. A opção depende do que você valoriza: uma transparência e conformidade regulatória ou a descentralização e uma confiança baseada em código, além de sua tolerância ao risco.
Embora essa escolha seja exclusivamente sua, é importante reafirmar que as stablecoins lastreadas em moeda fiduciária representam mais de 90% da capitalização de mercado total das stablecoins.
Considerações finais sobre suas opções de stablecoin
Os casos de uso das stablecoins vão bem além do trading: alimentam os pagamentos na blockchain, as organizações autônomas descentralizadas (DAOs) e muito mais. Independentemente de você estar procurando opções que favoreçam a regulamentação ou stablecoins mais descentralizadas, entender as diferenças ajuda você a alinhá-las aos seus valores e necessidades, proporcionando uma percepção muito mais aguçada de como o ecossistema funciona.
As stablecoins são a cola que mantém coesa a maior parte do universo dos ativos digitais. Então, da próxima vez que usar uma stablecoin, reserve um momento para refletir: o que está respaldando essa stablecoin e quem ou o quê a controla?
Se o que você procura é estabilidade, as stablecoins lastreadas em moeda fiduciária — como o USDC e o EURC — podem ser ferramentas poderosas. Você pode usar o USDC em protocolos DeFi, para enviar pagamentos transfronteiriços instantaneamente com tarifas relativamente baixas ou até para financiar projetos globais. Já o EURC oferece benefícios semelhantes para as transações em euros, abrindo as portas para que empresas e freelancers europeus integrem a economia digital sem a dor de cabeça de lidar com moedas diferentes.
Por outro lado, as stablecoins algorítmicas representam um experimento de criação de valor descentralizado e estável na blockchain. Porém, tenha sempre em mente que as stablecoins algorítmicas introduzem riscos significativos, além de não serem emitidas nem respaldadas pela Circle. É importante fazer sua própria pesquisa antes de usá-las.
As stablecoins não giram apenas em torno de manter seu valor estável: trata-se também de deslanchar novas maneiras de interagir com dinheiro, finanças e tecnologia. A escolha é sua.